STF nega habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula
Por maioria, o Plenário negou pedido da defesa que buscava
garantir ao ex-presidente o direito de recorrer em liberdade até julgamento de
todos os recursos cabíveis contra a sua condenação
05/04/2018 01h20 -
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou, por
maioria de votos, o Habeas Corpus (HC) 152752, por meio do qual a defesa do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva buscava impedir a execução provisória
da pena diante da confirmação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região
(TRF-4) de sua condenação pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro. Também por maioria, os ministros negaram pedido para estender a
duração do salvo-conduto concedido a Lula na sessão do último dia 22 de março
(vencidos, nesse ponto, os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski).
Voto condutor
A maioria dos ministros seguiu o voto do relator, ministro
Edson Fachin, no sentido da ausência de ilegalidade, abusividade ou teratologia
(anormalidade) na decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que aplicou ao
caso a atual jurisprudência do STF, que permite o início do cumprimento a pena
após confirmação da condenação em segunda instância.
Ao votar pelo indeferimento do HC, o ministro Edson Fachin
ressaltou que deve haver estabilidade e respeito ao entendimento dos tribunais
e que, no caso da execução provisória da pena, não houve até o momento revisão
da jurisprudência em sede de controle concentrado. Para Fachin, eventual
alteração do entendimento sobre a matéria só pode ocorrer no julgamento de
mérito das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44. Até lá,
não se pode se dizer que há ilegalidade na decisão do STJ que negou HC
preventivo do ex-presidente.
O ministro ainda rebateu argumento trazido pela defesa do
ex-presidente no sentido de que as decisões recentes do STF que tratam da
possibilidade de execução provisória da pena não teriam força vinculante. De
acordo com Fachin, tal argumento não se aplica ao caso, uma vez que a decisão
do TRF-4 sobre esse aspecto não se baseou em decisão do STF, mas em súmula da
própria corte federal.
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator. Segundo
seu voto, em quase 30 anos desde a edição da Constituição Federal de 1988,
apenas durante sete anos, entre 2009 e 2016, o STF teve entendimento contrário
à prisão em segunda instância. “Não há nenhuma ilegalidade ou abuso de poder
que permitiria a concessão do habeas corpus”, afirmou. “A decisão do STJ, ao
acompanhar e aplicar a decisão do Supremo, agiu com total acerto. A presunção
de inocência, todos sabemos, é uma presunção relativa”.
Seguindo os fundamentos do relator, o ministro Roberto
Barroso destacou os efeitos negativos trazidos pela posição contrária, adotada
pelo STF entre 2009 até 2016, sobre o tema da prisão provisória, que, a seu
ver, incentivou a interposição infindável de recursos protelatórios para gerar
prescrição, impôs a seletividade do sistema ao dificultar a punição dos condenados
mais ricos e gerou descrédito do sistema de justiça penal junto à sociedade.
Barroso citou números segundo os quais a reversão do resultado em favor do réu
em recursos interpostos nos tribunais superiores chega a pouco mais de 1% do
total. “É ilógico, a meu ver, moldar o sistema com relação à exceção e não à
regra”, afirmou.
A ministra Rosa Weber também acompanhou o relator do HC,
destacando que prevalece no STF o entendimento de que a execução provisória de
acórdão de apelação não compromete a presunção de inocência. Seu voto
desenvolveu a questão da importância da previsibilidade das decisões do
Judiciário e o local e o momento adequado para a revisão desses
posicionamentos. Segundo ela, nem a simples mudança de composição nem os
fatores conjunturais são fatores suficientes para legitimar a mudança de
jurisprudência, e não há como reputar ilegal, abusiva ou teratológica a decisão
que rejeita habeas corpus, “independentemente da minha posição pessoal quanto
ao ponto e ressalvado meu ponto de vista a respeito, ainda que o Plenário seja
o local apropriado para revisitar tais temas”.
Também para o ministro Luiz Fux, a presunção de inocência
prevista no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal não impede a
execução provisória da pena. “A presunção de inocência cessa a partir do
momento em que, por decisão judicial, se considera o réu culpado”, disse. A
necessidade de trânsito em julgado para que se possa efetivar uma prisão,
segundo Fux, não está contemplada na Constituição. “Interpretar de forma literal
o dispositivo, é negar o direito fundamental do Estado de impor a sua ordem
penal”.
A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, manteve a
posição que manifestou em 2009, quando o Tribunal mudou seu entendimento para
adotar a necessidade de trânsito em julgado para se admitir a execução da pena.
Segundo ela, o que se discute nesse tema é a chamada antecipação da execução
penal quando já esgotados os recursos ordinários. “O processo penal possui
fases, e o que se admite no caso é que haja também uma gradação na forma de
execução”, observou.
O cumprimento da pena após o duplo grau de jurisdição não
representa, no seu entendimento, ruptura ou afronta ao princípio da não
culpabilidade, uma vez que atende ao desafio de não criar um déficit judicial
sem prejudicar as garantias da ampla defesa. “Admitir que a não culpabilidade
impossibilita qualquer atuação do Estado pode levar à impunidade”, afirmou,
observando que se, por um lado, a Constituição Federal assegura direitos
fundamentais, por outro garante a efetividade do direito penal e da aplicação
da pena de prisão.
Recursos no STJ
Abrindo divergência parcial em relação ao relator, o
ministro Gilmar Mendes se manifestou no sentido de conceder a ordem para que
eventual cumprimento da pena contra o ex-presidente Lula ocorra somente a
partir do julgamento da matéria pelo STJ. Ao contrário do relator, ele entendeu
que, do ponto de vista processual e constitucional, não faz diferença se o
Supremo está discutindo o tema em HC ou ADC, e ressaltou a necessidade de
pacificação do tema.
O ministro disse que a decisão do STF no julgamento do HC
126292, realizado em fevereiro de 2016, vem sendo aplicada pelas instâncias
anteriores automaticamente, independente do crime ou da pena aplicada. “A
possibilidade virou obrigação”, ressaltou, citando exemplos nos quais se
comprovou ter sido indevida a execução provisória da pena, uma vez que
condenações acabaram reformadas pelo STJ. Por isso, considera o marco do
julgamento de recurso especial pelo STJ se mostra como medida mais segura,
seguindo assim a posição apresentada do ministro Dias Toffoli no julgamento das
medidas cautelares nas ADCs 43 e 44. Para o ministro, fora deste marco fixado,
a possibilidade de antecipação do cumprimento da pena se restringe a poucas
situações, explicitadas em seu voto – entre elas no caso de condenação,
confirmada em segunda instância, por crimes graves, para a garantia da ordem
pública ou da aplicação da lei penal.
O ministro Dias Toffoli reiterou os fundamentos apresentados
em seu voto no julgamento da medidas cautelares nas ADCs 43 e 44 no sentido de
aguardar o julgamento no STJ de recurso especial. Isso porque, para ele, a
necessidade de demonstração de repercussão geral como requisito para o
recebimento de recurso extraordinário pelo STF dificulta a admissão no caso de
matéria penal, pois pressupõe a transcendência dos interesses subjetivos do
recorrente. “Como o recurso extraordinário não se presta à correção de
ilegalidades de cunho meramente individual, não há razão para se impedir a
execução da condenação na pendência de seu julgamento”, afirmou.
Toffoli ressaltou, entretanto, que o fato de se aguardar o
julgamento de recurso especial pelo STJ não estabelece a possibilidade de
prescrição. “O sistema processual penal, endossado pela jurisprudência do STF,
dispõe de mecanismos hábeis para obstar o uso abusivo ou protelatório dos
recursos criminais”, observou.
Trânsito em julgado
O ministro Ricardo Lewandowski votou pela concessão do
habeas corpus para que o ex-presidente Lula permaneça em liberdade até o
trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Para ele, as decisões do
TRF-4 e do STJ que admitem a execução provisória da pena são ilegais por falta
de fundamentação adequada e motivação. A prisão, afirma, foi determinada
automaticamente pelos tribunais, em afronta ao que dispõe o artigo 288 do
Código de Processo Penal, que exige a fundamentação. O ministro destacou ainda
que, em caso de reforma da sentença condenatória, não é possível restituir a
liberdade de alguém preso ilegalmente. “A vida e a liberdade não se repõem
jamais”, afirmou. A presunção de inocência, enfatizou, “representa a mais
importante salvaguarda dos cidadãos, considerado o congestionadíssimo e
disfuncional sistema judiciário brasileiro”.
O ministro Marco Aurélio votou pela concessão da ordem nos
termos propostos pelo ministro Lewandowski. Para ele, o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória é condição para se chegar à execução da pena. “É
necessário que a culpa esteja extreme de dúvidas”, explicou. A possibilidade de
cumprimento de pena antes do trânsito em julgado, no seu entendimento, é medida
precoce, e a garantia constitucional da presunção de inocência não é letra
morta. “Meu dever maior não é atender a maioria indignada, mas tornar
prevalecente”, concluiu.
Ao também votar pela concessão do habeas corpus, o decano do
Tribunal, ministro Celso de Mello, enfatizou que há quase 29 anos tem julgado
que as sanções penais somente podem ser executadas após o trânsito em julgado
da sentença condenatória. Ele afirmou que o julgamento transcende a pessoa do
ex-presidente Lula, pois o que se discute – a presunção de inocência –
constitui garantia fundamental assegurada pela Constituição Federal aos
cidadãos. Para o ministro, o princípio da presunção de inocência não é absoluto
e encontra limite temporal no trânsito em julgado de sentença condenatória. Trata-se,
segundo ele, de limitação constitucional ao poder do Estado de investigar,
processar e julgar. “Ninguém pode ser tratado pelo Poder Público como se
culpado fosse sem que haja como fundamento uma sentença condenatória transitada
em julgado”, afirmou. “O direito de ser presumido inocente é um direito
fundamental”.
Redação/CR, AD
Processo relacionado: HC 152752
Fonte: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=374437