DECISÃO
05/06/2018 19:26
Quarta Turma não admite suspensão de passaporte para coação
de devedor
Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
foi desproporcional a suspensão do passaporte de um devedor, determinada nos
autos de execução de título extrajudicial como forma de coagi-lo ao pagamento
da dívida. Por unanimidade, o colegiado deu parcial provimento ao recurso em
habeas corpus para desconstituir a medida.
A turma entendeu que a suspensão do passaporte, no caso,
violou o direito constitucional de ir e vir e o princípio da legalidade.
O recurso foi apresentado ao STJ em razão de decisão da 3ª
Vara Cível da Comarca de Sumaré (SP) que, nos autos da execução de título
extrajudicial proposta por uma instituição de ensino, deferiu os pedidos de
suspensão do passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do
executado – até a liquidação da dívida no valor de R$ 16.859,10.
Medida possível
Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a retenção
do passaporte é medida possível, mas deve ser fundamentada e analisada caso a
caso. O ministro afirmou que, no caso julgado, a coação à liberdade de
locomoção foi caracterizada pela decisão judicial de apreensão do passaporte
como forma de coerção para pagamento de dívida.
Para Salomão, as circunstâncias fáticas do caso mostraram
que faltou proporcionalidade e razoabilidade entre o direito submetido
(liberdade de locomoção) e aquele que se pretendia favorecer (adimplemento de
dívida civil).
“Tenho por necessária a concessão da ordem, com determinação
de restituição do documento a seu titular, por considerar a medida coercitiva
ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir e vir
de forma desproporcional e não razoável”, afirmou.
Medidas atípicas
Salomão afirmou ser necessária a fixação, por parte do STJ,
de diretrizes a respeito da interpretação do artigo 139, IV, do Código de
Processo Civil de 2015.
De acordo com o ministro, o fato de o legislador ter
disposto no CPC que o juiz pode determinar todas as medidas indutivas,
coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, “não pode significar franquia à
determinação de medidas capazes de alcançar a liberdade pessoal do devedor, de
forma desarrazoada, considerado o sistema jurídico em sua totalidade”.
“Ainda que a sistemática do código de 2015 tenha admitido a
imposição de medidas coercitivas atípicas, não se pode perder de vista que a
base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal, que resguarda
de maneira absoluta o direito de ir e vir, em seu artigo 5º, XV”, frisou o
relator.
Mesmo assim, o ministro afirmou que a incorporação do artigo
139 ao CPC de 2015 foi recebida com entusiasmo pelo mundo jurídico, pois
representou “um instrumento importante para viabilizar a satisfação da obrigação
exequenda, homenageando o princípio do resultado na execução”.
CNH
Em relação à suspensão da CNH do devedor, o ministro disse
que a jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de que referida medida
não ocasiona ofensa ao direito de ir e vir. Para Salomão, neste ponto, o
recurso não deve nem ser conhecido, já que o habeas corpus existe para proteger
o direito de locomoção.
“Inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue o
detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e qualquer lugar,
desde que não o faça como condutor do veículo”, afirmou Salomão.
O ministro admitiu que a retenção da CNH poderia causar
problemas graves para quem usasse o documento profissionalmente, mas disse que,
nesses casos, a possibilidade de impugnação da decisão seria certa, porém por
outra via diversa do habeas corpus, “porque sua razão não será a coação ilegal
ou arbitrária ao direito de locomoção”.
Outros casos
O relator destacou que o reconhecimento da ilegalidade da
medida consistente na suspensão do passaporte do paciente, na hipótese em
análise, não significa afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva
em outros casos.
“A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que
obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada
também a proporcionalidade da providência”, destacou.
Leia o voto do relator.
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